quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Universo

Quando você abriu seus olhos para o mundo pela primeira vez, quando criança;
Como as cores eram brilhantes, que joia era o sol;
Que maravilhas eram as estrelas, quão incrivelmente vivas as árvores eram...
E amar de novo e de novo, e ter pessoas às quais somos profundamente apegados, ir dormir e nunca mais acordar...
E o eco das risadas apenas na sua mente... Mas aí o eco some... A memória, os vestígios, tudo se vai.

Todos os seus esforços, todas as suas conquistas, todas as suas realizações virando pó, vazio... Qual é a sensação? O que acontece com você?

A ideia de Deus como um artesão, o arquiteto do universo,
Faz você sentir como se a vida fosse, acima de tudo, importante, que há alguém que se importa.
Tem significado, faz sentido, e que você é valioso aos olhos do Pai.
Mas, depois de um tempo, isso se torna constrangedor, a superstição, o mito, a ideia completamente infundada. Por que alguém acreditaria nisso?

Então, você se torna um ateísta, e aí você se sente péssimo depois disso porque você se livrou de Deus.
Mas isso significa que você se livrou de si mesmo, você não é nada além de uma máquina...
E sua ideia de que você é uma máquina, é apenas uma máquina também. Uma máquina no sistema.

Então você pensa que as coisas são assim mesmo, você se sente hostil ao mundo.
Sente que o mundo é uma armadilha neurológica na qual você foi capturado de alguma forma, preso...
Você vai da maternidade ao crematório e é isso... É só isso...
Então, se você for uma pessoa esperta, você comete suicídio.

Agora eu quero propor outra ideia
O seu verdadeiro eu não é um fantoche que a vida arrasta por aí
O seu eu, sua verdadeira identidade bem no fundo do seu ser, é o universo inteiro.
Você não pode se confinar para o que acontece dentro da pele.
Sua pele não te separa do mundo, ela é uma ponte.
Mas, assim como um ímã se polariza em norte e sul, mas está tudo num só imã,
Assim é com a experiência, que se polariza em "si" mesmo e os "outros", mas são todos um só.

O que você chama de "mundo externo" é tão parte de você quanto seu próprio corpo.
A maioria das pessoas pensa que quando elas abrem os olhos e olham em volta, elas estão vendo a parte exterior...
Parece que você está mesmo por trás dos seus olhos.
Nós não percebemos que vida e morte, preto e branco, bem e mal, ser e não ser, vêm do mesmo centro.

Quando você procura pelo centro particular de seu próprio eu, que é separado de todo o resto, você não conseguirá encontrá-lo.
A única forma de você saber que não está lá, é se procurar o bastante para descobrir que ele não está lá.
Não está mesmo, não existe um "você separado".
Não existe, na realidade física, essa coisa chamada eventos separados.

As pessoas não podem ser libertadas de ilusões com palavras.
Se alguém acredita que a Terra é plana, você não o convencerá do contrário apenas argumentando, ele sabe que é plana.
Ele irá se aproximar da janela e ver que é óbvio, ela parece plana.
Então a única forma de convencê-lo de que não é, é dizer: bom, vamos lá procurar pela beirada.


(Retirado de trechos de várias palestras de Alan Watts)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Sua Atenção, Por Favor

Olha, menina, não brinca não
Minha paciência míngua e suspende
Se esvai com palavras em vão
Depois eu sumo e você não entende

Difícil é prever até onde irei
Se longe de você, a visão embaça
E pensar que, tão logo me apaixonei,
Fui surpreendido pela desgraça

Ainda imagino como é te ouvir falar
De todas as vezes que te fiz feliz
E, apesar de tentar, não consigo lidar
Com tudo aquilo que você não diz

Você provoca meus sorrisos sem pudor
E promete que é tão recíproco quanto
Meu último presente é, então, meu rubor
Deixando minha dignidade num canto

Olhe pra mim, mantenha os ouvidos atentos
Posso apenas pedir, encarecidamente,
Que não desperte os meus sentimentos
Se for retorná-los ao estado dormente?

Sigo escrevendo, a menos que eu mude
É inútil enfrentar beleza tão rara
Difícil disfarçar minha inquietude
Ou minha vontade de virar a cara

Só queria, por um momento, ser lembrado
Mas, pro meu azar, infelizmente
Alguém achou que seria muito engraçado
Testar comigo até onde se mente

Depois, só não venha dizer que fui injusto
Se suas plenas palavras só choviam promessas
Supondo meu coração um relicário vetusto
Brinquedo usado, faltando peças

Olha, menina, não brinca não
Já venci o abismo onde uma vez caí
Pense bem antes de soltar minha mão
Depois eu sumo... E aí?

(Cesar Antelo Garcia)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Escancarado

Por muito tempo eu quis ter o sangue mais frio, o coração mais duro, poder me desfazer das pessoas e permitir que elas se desfizessem de mim com facilidade, sem esforço, sem melodrama. Por muito tempo eu desejei isso. Já faz algum tempo que eu consegui. Mas eu estaria mentindo se dissesse que isso me tornou uma pessoa mais feliz.
Eu já conheci e ainda conheço pessoas que são capazes de dar patadas e terminar amizades com pessoas com as quais elas estavam trocando risadas no dia anterior. Por muito tempo eu odiei pessoas assim. Hoje eu sou uma delas, e as entendo.
Isso é fruto de uma alma infeliz. Uma pessoa que já amou demais e cansou de ser pisada. Aprendeu a desconfiar, tornou-se mais sábio, porém mais solitário, na eterna dúvida se existe alguém de coração puro que merece seu sentimento mais nobre.
E se você quer que eu confirme tudo o que você já desconfiava esse tempo todo, então tudo bem, deixarei meu coração escancarado aqui, porque, aparentemente, eu nunca tive problemas em ser aberto com relação ao que eu sinto.
Sim, todos os textos que você leu aqui até hoje e continuará lendo são frutos de uma pessoa infeliz, insatisfeita. E sim, eu tenho os meus motivos, e não cabe a você julgá-los como fúteis ou injustificáveis. Cada um enxerga a cruz que carrega do tamanho que lhe parece real. Você pode enxergar a minha de longe e achá-la insignificante, mas o corpo no qual ela se apóia é o meu. Só eu sei.
Não estou te dizendo isso no intuito de despertar sua compreensão, nem necessariamente sua ajuda, e muito menos a sua compaixão. Apenas quero seu respeito.
E por favor, não se dê ao trabalho de me responder. Não é algo que você possa consertar apenas com palavras.
Nem todos enxergam a vida da mesma forma que você.

(Cesar Antelo Garcia)

sábado, 11 de outubro de 2014

Sussurro

Infesto meu quarto com silêncio
Me isolo num poço de conforto
E a paz soturna domina minha mente
Esqueço as lágrimas dos lamentos
E a dor que teima em não ir embora

Os olhares tortos, as ofensas
Foram todas jogadas no passado
Trancadas num baú sem fechadura
Olhos nos olhos e o peso se vai
Cumprindo sua missão ao me salvar

As roupas atiradas no chão
Tão vazias quanto nossos pensamentos
No momento de calor e tato
Esses dias de saudade me enfraquecem
Mas não canso de percorrer seu corpo

Canto sozinho ao te ver chegar
E me calo ao te ver indo embora
E sua voz é tudo que eu preciso
Para abafar os ecos na minha cabeça
E lembrar do timbre que eu mais amo

Essas são as memórias em mim
Que eu quis te revelar
Com uma pitada de ironia, é verdade
Já que foi você que as fez nascer
Meu sussurro ganha força com seu suspiro

Então me diga em confidência
O que te estimula mais, o que te instiga
E faça os ruídos lá fora desaparecerem
E eu te prometo, sem devaneios
Eu serei seus arrepios essa noite

Eu exploro meus pecados com você
E espero pelo seu indulto
Abuso de ser o motivo da sua insônia
E o motivo de não querer acordar do sonho
Quando finalmente adormece

E se eu te disser que planejei isso?
Me infiltrar em sua pele
Dar forma ao prazer que você buscava
E me apaixonar por você
Qual seria sua reação?

(Cesar Antelo Garcia)

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Veleidade

Ordinária foi a manhã em que a conheci
Lamentos surdos pelo asfalto
Se assemelhavam a gotas de chuva
Passos de faróis numa inebriante escuridão
Estalam aos meus ouvidos, me chamando
Seu caminhar de calmaria e alerta
Dispara um sinal de vermelho em meu interior
Um olhar que me matava
E uma insinuação de "siga-me"
Uma avalanche de questões me abordam
E para onde será que ela vai
Depois de cruzar o meu caminho?
Tantas perguntas e um anseio por vê-la de novo
E de ordinária, a manhã seguinte não tinha nada

Cuidadoso eu fui ao adentrar seu território sombrio
Atiçando o mais pacífico imaginário
Ela esquiva, analisa
Hesita em me jogar uma luz, ela é um mistério
Mas ao me recompor como pele cicatrizada
Posso fisgar em sua expressão
Ela foi abusada, tomada de suas virtudes
Seus sonhos e esperanças, forçados para fora
Tento tomar controle, ela ignora
Tira forças do fundo de sua alma
Eu até tremo quando ela tenta me falar
Não venha, você não sabe
É muito tarde, e pobre é o coração do homem
Mas a razão já cedeu, e o feitiço está lançado

Eu fico acordado, vendo isso crescer
Ela me estranha, tão inquieto
E se defende ao não ceder um espaço
Nosso corpo estremece, nossa respiração é fria
Não sinto que posso confiar nela
Mas é em seu corpo que eu quero me perder
Seu beijo arde como ferroada
Inflamando o que já era exacerbado por teimosia
Inconsequência e irracionalidade são nossos temperos
Tão cegos com as vendas que colocamos
Tão certos de que essa não será a última noite
E que não há problema nisso
Mergulho num sono negro como seus cabelos
E provo do sabor amargo de seu abandono pela manhã

Venha comigo e desapareça no meu covil
Ninguém dará por sua falta mas eu só existo com você
Criminosa é a maneira como desejo seu coração para mim
Ainda imagino minha cara ao vê-la tentando falar
É assombroso como ela me tem tão estático
Não é hora nem lugar para ir devagar
Deslizo minha boca pelo seu peito
Daria minha vida para saber como ela se sente
Me contento com o reflexo do abajur
Iluminando seu olho morto de mel
Minha cabeça dói mas eu me recuso a ir
Ela parece tão cansada, mas se sente em paz
Porém o corpo não acompanha o aperto no coração
Ao ler o bilhete envolto do cheiro da solidão

Ela foi e deixou a porta aberta para a dor entrar
Tudo que eu sabia chegou para me aterrorizar
Tolo em acreditar na promessa de um demônio
"Eu irei te quebrar com cuidado"
Não existe zelo ao se manejar um coração
Principalmente um que não vale a pena ser salvo
Que passei a vida inteira desmanchando
Começo minha jornada pelo manto da madrugada
Prepare seu temor, pois não trago boas notícias
Um vulto macabro de ódio traz então minha vingança
Cicatrizes nascidas no dia em que me condenou a te procurar
E agora carrego essa maldição de te caçar pelos becos
Mas minha fúria encontrará paz em seu lamento
E isso é tudo o que eu sei...

(Cesar Antelo Garcia)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Súplica

Amor meu, de outrora correspondido
Brisa que enche de vida
Que há muito me aquecia
E hoje, no entanto, encontra-se perdido

Sua aura de encanto inigualável
De halo imenso, que tudo envolve
Meus risos nunca foram tão verdadeiros
Quanto os disparados ao seu lado

Mas como toda fonte luminosa
Um dia se apaga e tudo escurece
Não por fragilidade do afeto
Mas por querer do destino

Ah, anjo das asas incansáveis
Sempre compreendeu sem maior dificuldade
Voe para longe e leve sua paz
Antes que minhas trevas te devastem

Suplico, não fique brava
Se eu tiver que pedir
Sem jeito, sem o direito
Que me compreenda mais essa vez

(Cesar Antelo Garcia)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Teu Riso

Canta o teu riso esplêndida sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de pratas
E a vibração de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata
Cítara suave dos apaixonados
Sonorizando os sonhos já passados
Cantando sempre uma lânguida volata!

Aurora ideal dos dias meus risonhos
Quando úmido de beijos em ressábios
Teu riso espanta, despertando sonhos...

Ah! Num delírio de ventura louca
Vai-se minh'alma toda nos teus beijos
Ri-se o meu coração na tua boca!

(Maximo Antelo)